quarta-feira, junho 25, 2008

Porque Razão é Tão Difícil estudar a Antiguidade Tardia e o Início da Islamização em Alcácer?


A resposta a esta questão parece fácil, se afirmarmos que falta documentação Arqueológica e Historiográfica.
Até certo ponto este dado é coerente com a realidade actualmente disponível, se tomarmos como comparação, a Fase ulterior do Alto Império e como limite inferior, a Fase Tardo-Islâmica.
Para facilitar ainda mais esta análise, poderemos arrumar a questão e inserir o âmbito cronológico que grosso modo tem início no século III d. C até ao final do século XI, denominando-os de “Séculos obscuros de Alcácer”.
Este apanágio não é “imagem de marca” de Alcácer.
A Antiguidade Tardia e a Fase Emiral, continuam a diferentes níveis a serem os parentes pobres da investigação em Portugal, apesar de existirem alguns “oásis documentais”, nomeadamente em Mérida, Mértola, Braga ou Lisboa.
E em Alcácer, qual é o panorama actualmente identificado?
Se tomarmos o Período Romano como um todo, verificamos que o Alto Império em Salacia possui uma expressão arqueológica notável, encontrando-se por todo o lado: - Dentro do castelo, na área Periurbana, na Ribeira e no espaço rural, desde o Torrão até ao estuário do Sado.
Após o século II, notamos um decréscimo abrupto na informação arqueológica, especialmente dentro do recinto amuralhado.
Contudo, é em espaço rural que a documentação arqueológica ganha alguma expressão.
Após o século V, a documentação é tão escassa, que um olhar desatento poderia sugerir um abandono populacional do território alcacerense.
Como frisamos, a documentação arqueológica Alto Imperial em Alcácer é importante, contudo em termos de resenha histórica o silêncio é paradoxalmente quase total. Conhecemos o povoamento, a cultura material, mas falta-nos o nome dos personagens históricos em termos do convento pacensis.
Para a Antiguidade Tardia, a situação inverte-se. Conseguimos recuperar a resenha histórica em termos regionais, dar rosto à evolução política, conhecer nomes, mas falta-nos muitos elementos sobre a estrutura de povoamento, hierarquia e economia.
O panorama agrava-se imenso, quando se atinge os séculos VII e o VIII.
Sabemos hoje, que em Salacia existia alguma população e que o culto aos mártires hispânico de Complum, Justo e Pastor junto ao Torrão, estava activo nas vésperas da conquista islâmica da Hispânia em 711.
O século VIII, início da presença islâmica, continua uma questão mal resolvida em Alcácer, pelas contradições documentais que encerra a problemática da mudança toponímica de Salacia para al-Qasr.
É este o cerne da questão!
Se como já foi provado documentalmente, existe continuidade habitacional em Salacia na altura da conquista islâmica, porque razão foi imposto uma nova denominação toponímica pelo novo poder islâmico.
Em termos documentais o que é que esta postura política significa?
Ou pondo a questão de uma forma mais clara:

- Se Lisboa, Évora, Setúbal, Beja, Coimbra, etc mantiveram as antigas denominações tardo-romanas, porque razão, não aconteceu o mesmo em Salacia, que também era habitada na altura?
Pensamos que a resposta encontra-se no topónimo que é escolhido – al-Qasr.
Segundo a leitura tradicional, al-Qasr deriva da palavra latina de Castrum, alusivo ao Limes Romano da fronteira Síria, que durante séculos serviram para conter o expansionismo dos herdeiros Neo-Persas dos Seleucidas: - Primeiro, o Império Parto e depois os Sassânida, ambos sediados na Mesopotâmia e Planalto Persa, incluindo o Afeganistão.

Mas o termo al-Qasr, foi depois atribuído às construções áulicas Omiedas da estepe Síria/Jordana, numa tradição continuada após 750 pelos Abássidas.
Em meados do século VIII, a quase totalidade dos Qasr(Plural Qusur) conhecidos, localiza-se no próximo Oriente e estão ligados ao poder Califal, guardados pelo aparelho militar.
E no nosso caso, o que significa al-Qasr?
Em síntese, estamos a crer, que a mudança toponímica, do nome romano para o nome árabe foi uma decisão política muito importante.
Significa a força e a afirmação do “ramo militar" do novo poder islâmico no Garb, num prolongamento natural da delegação do poder central instalado em Beja (nome árabe adaptado de Pax).
Para nós isso só será coerente após a instalação do Jund/Exército do Mirs/Egipcio em Beja.
Em síntese, procurando não alongar mais esta questão que tem que ser mais desenvolvida, defendemos a seguinte leitura:

1 - Salacia encontra-se ainda habitada no século VIII, quando se dá a conquista islâmica da Hispânia.

2 - Após uma fase de autonomia inicial dentro de um pacto estabelecido entre muçulmanos e tardo-romanos, a situação altera-se após a atribuição do território de Beja ao Jund do Mirs, após 740.

3 -A base económica deste corpo militarizado é a cobrança de imposto dentro das regiões atribuídas pelo poder central.
4 - A manutenção dos nomes romanos das cidades à volta de Alcácer, caso de Lisboa, Évora, etc e a escolha de al-Qasr em vez de Salacia, só tem sentido, se isso significar que esta praça forte foi escolhida para sede militar islâmica junto ao atlântico, transformando-se num enclave puramente islâmico, encravado num vasto território habitado maioritariamente por Tardo-Romanos. Trata-se de uma prática muito corrente no litoral da Palestina, neste caso em relação à população cristã Bizantina.

5 - Al-Qasr após 844, vai manter a sua função militar, contudo irá evoluir de praça militar sinónimo de recolha de imposto, para praça militar de tipo ribat para defesa da costa do Garb em contexto emiral, desta vez para fazer face aos ataques vikings.

6 - Resumidamente, defendemos que a escolha de al-Qasr/Alcácer em vez de Salacia, tem a ver com uma decisão politica de natureza militar, coerente com as novas funções desta praça forte, que vai dar coerência à militarização da costa oceânica após 844 (data do primeiro ataque viking à costa portuguesa) e antes da chegada dos Banu Danis.

7 - Deste modo, a mensagem toponímica, al-Qasr, significa o Castrum/Praça Forte, coerente com as novas atribuições que assume ao longo do primeiro século de islamização.
8 - Alcácer é um topónimo forte, que transmite poder militar. Talvez seja esse a razão pela qual o topónimo sobreviveu ao longo dos séculos e foi deliberadamente mantindo após a conquista portuguesa de 1217, apesar do corpo eclesiástico português saber que o seu nome latino era Salacia.

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