terça-feira, setembro 23, 2008

Planta e Guia da Cidade de Alcácer do Sal



8 comentários:

Anónimo disse...

Em Espanha há muitas "Alcáceres" (Alcazar, em castelhano). Porque é que em Portugal só há uma?

ARC disse...

Sim é verdade, em Portugal só existe um Alcácer. A resposta é muito complexa, porque o caso de Alcácer é diferente dos exemplos encontrados em Espanha, alguns deles de cronologia mais tardia.
O nome Qasr aparece pela primeira vez (na documentação islâmica)antes da chegada dos Banu Danis, em finais do século IX. No mundo islâmico, na altura da conquista da Hispania, os "Alcáceres"/Qusur, predominam na Siria/Jordânia (Bilad al-Sham) e são nalguns casos, os "herdeiros" dos fortes romanos da fronteira com o Império Parto e depois Sassanida. A palavra Qasr, segundo alguns autores, deriva da palavra latina "Castrum/Forte". A outra região com bastantes qasr é o Egipto ao longo do Nilo em diracção ao Sudão. Por fim temos a actual Tunisia.
A região de Alcácer vai ser após 740 atribuida ao yund/exército arabe de Mirs/Egipto, cuja sede politica ficava em Beja. Na realidade são árabes iemenitas instalados no delta egipcio algumas gerações, que recebem essa denominação. Se uma das atribuições deste "corpo militar" é pacificar o território e principalmente cobrar impostos, o nome qasr atribuido à antiga Salacia só se entende se posermos a hipotese de que a função dos colonos islâmicos aqui instalados, na dependencia de Beja, tivessem como principal objectivo, cobrar os impostos de toda a região que vai desde a serra da Arrábida e costa Atlântica até à foz do Mira. Só após 844, devido aos ataques Vikings, al-Qasr transforma-se num ribat, mantendo-se como sede militar. Chegamos então à conclusão que o nome Qasr foi dado a esta terra, para que a população tardo romana soubesse que para pagar os seus impostos, teria que se dirigir a esta praça forte, governada por muçulmanos, a unica escolhida para essa função em todo o Alentejo Litoral e como tal, comportava-se como sede militar e cultural de todo o Alentejo Litoral e Arrábida, ou seja, toda a costa Atlântica entre as "áreas de influência" de Lisboa e Silves.

Anónimo disse...

Obrigado pela resposta.

No entanto, já tenho ouvido que, entre outras coisas, a razão de haver mais "Alcáceres" em Espanha se prende ao facto de o coração da civilização hispano-muçulmana corresponder ao actual sul de Espanha, enquanto que a região que é actualmente o nosso país (incluíndo o sul) ser nesse contexto mais marginal. Haverá alguma verdade nesta afirmação?

ARC disse...

Existe um dado cronológico que não podemos esquecer: - A presença politica islâmica em Portugal termina com a conquista do Algarve no reinado de D. Afonso III,em 1250, após a ocupação dos enclaves islâmicos autónomos (entre 1240 e 1250) que reconheciam a suserania Magrebina dos Banu Marin. Basicamente, reduziam-se a três nucleos: 1.-Faro e Loulé. 2 -Albufeira e Porches e por fim 3 - A região de Aljezur.
Na vizinha Espanha, a presença islâmica vai manter-se até ao final do século XV. Resumia-se ao Reino de Granada e a um território em volta de Aljeziras e Ronda que esteve debaixo do domínio Merinida. A Historiografia Penínsular, Tanto a Portuguesa como a Espanhola tem estudado a íntervenção Merinida centrados nas relações de aliança e guerra, que este poder Magrebino teve com os Nazaris e os Castelhanos, esquecendo-se dos enclaves Algarvios de obediencia Merinida.
A palavra "marginal" é um conceito que serve para explicar muita coisa. Em termos Historiográficos é um conceito muito interessante, porque num discurso Historiográfico, permite esconder "defices de estudos em determinadas áreas". Ou seja, não vale a pena estudar determinado assunto, porque este território era marginal!
A minha concepção de espaço "marginal " encerra outro conceito:
- Trata-se unicamente da falta de interesse politico do estado, numa dada região, por icapacidade de resposta ou por défise de recursos. Como tal, a região fica no silêncio documental (se verificarmos mais atentamente, as cronicas quase sempre "só" falam de guerras e traições entre as elites ligadas ao exercicio do poder).
Resumindo: - As populações vêm-se "marginalizadas" e como resposta aos problemas do quotidiano (defesa, economia, familia) são obrigadas a assumirem sistemas de "governo autónomo",à revelia do poder central. Resultado, as fontes documentais islâmicas silenciam estes factos e nós neste século XXI pensamos que afinal eram espaços marginais, sem "História"!...
Nós só conseguimos investigar com base em documentação e depois de tantas guerras, terramotos, pestes,etc, temos que ter presente que só sabemos uma infima parte do que realmente aconteceu neste território ...

Anónimo disse...

Volto a agradecer a resposta.

Uma última pergunta:`
É verdade que os cruzados, quando entraram em Alcácer, matavam quem quer que encontrassem, quer fossem muçulmanos, cristão ou judeus? E que os sobreviventes do massacre fundaram a cidade de Setúbal?

Anónimo disse...

P.S.
E por último, o castelo de Alcácer do Sal (ou o que resta dele), e mais concretamente as duas torres que ladeiam o portão da entrada junto à Pousada D. Afonso II, de que século são?

ARC disse...

A questão referente ao fundamentalismo dos cruzados, têm razão de ser. O objectivo deles é "libertar a Terra Santa" do domínio dos muçulmanos. Curiosamente as primeiras cruzadas nasceram como resposta ao fundamentalismo do Sultanato Turco dos seljucidas, que após terem anexado o que restava do Califado Abássida, vão pela primeira vez proibir o acesso de peregrinos não muçulmanos aos locais Santos da Palestina.
Em relação ao território Português, temos o exemplo pradmático de dois compostamentos diferentes: - Os cruzados querem pilhar e matar, para assim as suas "almas" irem para o paraiso. Já D. Afonso Henriques está a construir um país, que necessita de expressão territorial, mas que se mantenha povoada pela população muçulmanos, porque deste modo o Rei podia cobrar impostos directos à minoria moura, que estava sob a sua protecção. Ele e os reis seguintes sabiam que de nada servia conquistar um país, se depois não tivesse recursos humanos para a povoar. A guerra foi feita lentamente, com avanços e recuos e muitas tréguas pelo meio.
Em relação a Setúbal, não temos documentação que nos fale de uma fundação por sobreviventes "directos" dos alcacerenses sobreviventes da conquista de 1217. O processo terá sido lento. Nesta fase, Setúbal era uma aldeia de pescadores dependente de Palmela. É curioso verificar que o 1º Foral atribuido a Setúbal (cujo termo era a propria terra), foi dado pelo Mestre da Ordem de Santiago, em 1249, já no início do Reinado de D. Afonso III, numa altura em que a Ordem de Santiago estava de relações algo azedas com o rei e temia pela posse dos seus vastos domínios no Alentejo e Algarve. Na optica da Ordem parece estar a necessidade de Setúbal ajudar no comercio naval e apoio naval da Ordem de Santiago aos seus domínios no Reino do Algarve que possuiam portos, caso de Aljezur, Tavira e Cacela. O caso de Tavira e de Albufeira foram polémicos e pouco depois, em 1250, D. Afonso III retira aos Espatários estes dois importantes castelos e portos algarvios.
De facto ainda não foi devidamente estudada a componente naval da Ordem de Santiago.

ARC disse...

Em relação à pergunta seguinte, referente ao arco entre duas torres`junto à entrada actual do castelo, a resposta encontra-se neste blog. Deve consultar a Agenda de Setembro/Outubro, referente "O Nosso Património/Localidade/Monumento do M~es. - A Antiga Entrada para a Alcáçova.
Em sintese: - Trata-se do que chegou até aos nossos dias da antiga entrada directa para a alcáçova/palácio dos Banu Wazirí. Toda a gramática decorativa almoada desapareceu e para termos uma ideia de como seria, temos que ir a Marrocos e ver as portas monumentais de Rabat ou Marraquexe.
Até 2007, pensava-se que as unicas portas comemorativas mandadas construir pelo Califa Almoada Ya´Qub al-Mansur localizavam-se no Norte de Africa. Tudo leva a crer que o arco da porta da alcáçova de Alcácer, se bem adulterado e despojado de toda a decoração inicial, seja um exemplar unico no al-Andalus. Como eu já referi noutro local só existiram três cidades com o nome al-Fath em todo o Império Almoada e todas elas alusivas à jhiad: - Ribat al-Fath (Rabat e capital de Marrocos), Medinat al-Fath (Gibraltar, porta de entrada no al-Andalus) e Qasr al-Fath (Alcácer do Sal, porta fortificada dos Almoadas no litoral norte do Atlântico, frente a Portugal).O simbolismo do arco é de chamar atenção aos cruzados que Alcácer é a porta que defende o acesso ao mundo islâmico para quem chega de Portugal ou do Norte da Europa como cruzado, por via naval.