sexta-feira, agosto 11, 2006

Algumas reflexões sobre Santa Catarina em contexto Pós-Romano

António Rafael Carvalho.
A escavação arqueológica na villa romana, apesar da escassa área intervencionada, foi importante ao revelar uma imponente estrutura habitacional e artesanal do período romano, revelando aspectos íntimos de um quotidiano de vários séculos, que teima em permanecer escondido.
Se por um lado, a arquitectura exumadas superou as expectativas mais optimistas, em relação ao espólio cerâmico, ele é significativo, mas é insuficiente para consolidar leituras sobre a evolução cronológica do edifício.
Apesar de tudo, confirmou-se a origem da villa em contexto Alto Imperial e o seu abandono num contexto pouco claro, que neste momento apontamos para a Fase Visigótica/Emiral.
De facto, os dados disponíveis parecem sugerir que é em meados do século VIII, quando se dá a instalação do representante oficial do califado Omieda de Damasco na cidade de Pax Yulia/Beja
[1], transformada foneticamente em Baja[2], que se dá o aparente abandono[3] da ocupação romana de Santa Catarina.
Contudo será em meados do século XIII, em 1247 que aparece uma referência à igreja de Sítimos. Trata-se de um período algo complicado para os interesses da Ordem de Santiago no Baixo Sado, coincidindo com a instabilidade política provocada pela guerra civil entre os apoiantes de D. Sancho II e o futuro D. Afonso III.
A aldeia de Sítimos aparece nesta altura como o garante do termo de Alcácer, evitando a expansão territorial do Concelho do Torrão, que terá sido desmembrado de Alcácer alguns anos antes.
Nesta perspectiva, Sítimos com a sua igreja, vai servir de centro administrativo e receptor de impostos, de um amplo território rural, de povoamento muito disperso, mas vital para os interesses económicos dos alcacerenses.
De momento não sabemos a razão que levou a consagração da igreja a Santa Catarina, Mártir Virgem de Alexandria
[4].
O único elemento que deduzimos da análise documental deste período é a existência de uma hierarquia de santos que tem uma tradução directa com a importância das cidades ou castelos conquistados. De facto verificamos que a igreja mais importante de uma cidade ou castelo islâmico recém conquisto e que seja escolhido para sede de um território/termo é quase sempre dedicado a Santa Maria. As outras igrejas fundadas são dedicadas a S. Pedro ou Santiago, se ficarem em espaço peri-urbano. Uma excepção a esta regra é o Santuário de Nossa Senhora dos Mártires, que poderá ter sido uma rabita/musalla antes da conquista cristã de Alcácer.
Para o século XIII, temos a referencia a Santa Maria de Cabrela, que ficou autónoma de Alcácer pouco depois de 1220. As únicas aldeias referenciadas nesse século, mas de fundação anterior é Sítimos em 1247 (evitando a expansão territorial do termo do Torrão para ocidente) e Palma em 1250 (evitando a alargamento do termo de Cabrela para sul).
Tanto no caso de Sítimos, dedicado a Santa Catarina como em Palma, dedicado a São João Baptista
[5], estamos em presença de mártires dos primórdios do cristianismo. Que significado tiveram esses santos nesse longínquo século XIII?
É importante efectuar uma investigação aprofundada sobre as razões que levaram as autoridades eclesiásticas e o povo a escolherem um santo em detrimento de outro, investigação essa, que sai do âmbito deste blog.
Curiosamente a comunidade cristã em Santa Catarina de Sítimos construiu a sua igreja sobre estruturas romanas da villa aí existente e a aldeia medieval parece que se estendeu no perímetro exterior à ocupação romana.
É essa presença cristã medieval que chega aos nossos dias e que vai utilizar as estruturas romanas como pedreira para a construção de casas, sendo curioso o micro topónimo da villa romana – Pedrão.
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[1] Trata-se de Abd al-Jabbar Ibn Awf Ibn abi-Salama al-Zuhri, general do ahl/exército de Musa Ibn Nuzayr, que foi nomeado por Abd al-Aziz.(Carvalho, Faria e Ferreira, 2004. Alcácer do Sal Islâmica, página 43)
[2] Baja é a adaptação em árabe da palavra latina Pax. A língua árabe não tem o som P, sendo este substituído quase sempre pelo B. Um bom exemplo em sentido contrário é o que terá ocorrido com a palavra árabe Bayt al-Mal (Casa do Tesouro/Casa da Moeda/Bem publico ou Território do Estado Central). Essa palavra pode ter entrado na língua portuguesa transformando-se em Pay´ma, dando origem ao topónimo Palma, localidade a norte de Alcácer e que vem referenciada num documento da Ordem de Santiago datado de 1250.
[3] Os dados actualmente disponíveis não autorizam a supor um abandono total deste território após a anexação da Civitas de Salacia ao Califado Omieda de Damasco. É provável que tenha ficado nas imediações alguns casais agrícolas. Também importa explicar a existência de uma fossa com cerâmicas islâmicas do século X, que foi identificada no compartimento do “santuário”. Esse dado documental indica uma presença islâmica em Santa Catarina, ainda de natureza pouco clara, porque não sabemos se corresponde a um casal/rahal ou a uma al Day´a/aldeia localizada algures na zona.
[4] Esta santa cristã, sofreu o seu martírio no reinado do Imperador Diocleciano (final do Século III d. C.). O conjunto monástico de Santa Catarina do Monte Sinai/Egipto foi-lhe consagrada já em contexto Proto-Bizantino, em meados do século VI. Após a conquista árabe do Mirs/Egipto, a comunidade cristã aí residente foi respeitada, desde que pagasse os seus impostos.
[5] No caso de Palma e tendo em conta a falta de documentação, partimos do pressuposto que a igreja terá sido consagrada desde o século XIII a São João Baptista.

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