Sim é verdade, em Portugal só existe um Alcácer. A resposta é muito complexa, porque o caso de Alcácer é diferente dos exemplos encontrados em Espanha, alguns deles de cronologia mais tardia. O nome Qasr aparece pela primeira vez (na documentação islâmica)antes da chegada dos Banu Danis, em finais do século IX. No mundo islâmico, na altura da conquista da Hispania, os "Alcáceres"/Qusur, predominam na Siria/Jordânia (Bilad al-Sham) e são nalguns casos, os "herdeiros" dos fortes romanos da fronteira com o Império Parto e depois Sassanida. A palavra Qasr, segundo alguns autores, deriva da palavra latina "Castrum/Forte". A outra região com bastantes qasr é o Egipto ao longo do Nilo em diracção ao Sudão. Por fim temos a actual Tunisia. A região de Alcácer vai ser após 740 atribuida ao yund/exército arabe de Mirs/Egipto, cuja sede politica ficava em Beja. Na realidade são árabes iemenitas instalados no delta egipcio algumas gerações, que recebem essa denominação. Se uma das atribuições deste "corpo militar" é pacificar o território e principalmente cobrar impostos, o nome qasr atribuido à antiga Salacia só se entende se posermos a hipotese de que a função dos colonos islâmicos aqui instalados, na dependencia de Beja, tivessem como principal objectivo, cobrar os impostos de toda a região que vai desde a serra da Arrábida e costa Atlântica até à foz do Mira. Só após 844, devido aos ataques Vikings, al-Qasr transforma-se num ribat, mantendo-se como sede militar. Chegamos então à conclusão que o nome Qasr foi dado a esta terra, para que a população tardo romana soubesse que para pagar os seus impostos, teria que se dirigir a esta praça forte, governada por muçulmanos, a unica escolhida para essa função em todo o Alentejo Litoral e como tal, comportava-se como sede militar e cultural de todo o Alentejo Litoral e Arrábida, ou seja, toda a costa Atlântica entre as "áreas de influência" de Lisboa e Silves.
No entanto, já tenho ouvido que, entre outras coisas, a razão de haver mais "Alcáceres" em Espanha se prende ao facto de o coração da civilização hispano-muçulmana corresponder ao actual sul de Espanha, enquanto que a região que é actualmente o nosso país (incluíndo o sul) ser nesse contexto mais marginal. Haverá alguma verdade nesta afirmação?
Existe um dado cronológico que não podemos esquecer: - A presença politica islâmica em Portugal termina com a conquista do Algarve no reinado de D. Afonso III,em 1250, após a ocupação dos enclaves islâmicos autónomos (entre 1240 e 1250) que reconheciam a suserania Magrebina dos Banu Marin. Basicamente, reduziam-se a três nucleos: 1.-Faro e Loulé. 2 -Albufeira e Porches e por fim 3 - A região de Aljezur. Na vizinha Espanha, a presença islâmica vai manter-se até ao final do século XV. Resumia-se ao Reino de Granada e a um território em volta de Aljeziras e Ronda que esteve debaixo do domínio Merinida. A Historiografia Penínsular, Tanto a Portuguesa como a Espanhola tem estudado a íntervenção Merinida centrados nas relações de aliança e guerra, que este poder Magrebino teve com os Nazaris e os Castelhanos, esquecendo-se dos enclaves Algarvios de obediencia Merinida. A palavra "marginal" é um conceito que serve para explicar muita coisa. Em termos Historiográficos é um conceito muito interessante, porque num discurso Historiográfico, permite esconder "defices de estudos em determinadas áreas". Ou seja, não vale a pena estudar determinado assunto, porque este território era marginal! A minha concepção de espaço "marginal " encerra outro conceito: - Trata-se unicamente da falta de interesse politico do estado, numa dada região, por icapacidade de resposta ou por défise de recursos. Como tal, a região fica no silêncio documental (se verificarmos mais atentamente, as cronicas quase sempre "só" falam de guerras e traições entre as elites ligadas ao exercicio do poder). Resumindo: - As populações vêm-se "marginalizadas" e como resposta aos problemas do quotidiano (defesa, economia, familia) são obrigadas a assumirem sistemas de "governo autónomo",à revelia do poder central. Resultado, as fontes documentais islâmicas silenciam estes factos e nós neste século XXI pensamos que afinal eram espaços marginais, sem "História"!... Nós só conseguimos investigar com base em documentação e depois de tantas guerras, terramotos, pestes,etc, temos que ter presente que só sabemos uma infima parte do que realmente aconteceu neste território ...
Uma última pergunta:` É verdade que os cruzados, quando entraram em Alcácer, matavam quem quer que encontrassem, quer fossem muçulmanos, cristão ou judeus? E que os sobreviventes do massacre fundaram a cidade de Setúbal?
P.S. E por último, o castelo de Alcácer do Sal (ou o que resta dele), e mais concretamente as duas torres que ladeiam o portão da entrada junto à Pousada D. Afonso II, de que século são?
A questão referente ao fundamentalismo dos cruzados, têm razão de ser. O objectivo deles é "libertar a Terra Santa" do domínio dos muçulmanos. Curiosamente as primeiras cruzadas nasceram como resposta ao fundamentalismo do Sultanato Turco dos seljucidas, que após terem anexado o que restava do Califado Abássida, vão pela primeira vez proibir o acesso de peregrinos não muçulmanos aos locais Santos da Palestina. Em relação ao território Português, temos o exemplo pradmático de dois compostamentos diferentes: - Os cruzados querem pilhar e matar, para assim as suas "almas" irem para o paraiso. Já D. Afonso Henriques está a construir um país, que necessita de expressão territorial, mas que se mantenha povoada pela população muçulmanos, porque deste modo o Rei podia cobrar impostos directos à minoria moura, que estava sob a sua protecção. Ele e os reis seguintes sabiam que de nada servia conquistar um país, se depois não tivesse recursos humanos para a povoar. A guerra foi feita lentamente, com avanços e recuos e muitas tréguas pelo meio. Em relação a Setúbal, não temos documentação que nos fale de uma fundação por sobreviventes "directos" dos alcacerenses sobreviventes da conquista de 1217. O processo terá sido lento. Nesta fase, Setúbal era uma aldeia de pescadores dependente de Palmela. É curioso verificar que o 1º Foral atribuido a Setúbal (cujo termo era a propria terra), foi dado pelo Mestre da Ordem de Santiago, em 1249, já no início do Reinado de D. Afonso III, numa altura em que a Ordem de Santiago estava de relações algo azedas com o rei e temia pela posse dos seus vastos domínios no Alentejo e Algarve. Na optica da Ordem parece estar a necessidade de Setúbal ajudar no comercio naval e apoio naval da Ordem de Santiago aos seus domínios no Reino do Algarve que possuiam portos, caso de Aljezur, Tavira e Cacela. O caso de Tavira e de Albufeira foram polémicos e pouco depois, em 1250, D. Afonso III retira aos Espatários estes dois importantes castelos e portos algarvios. De facto ainda não foi devidamente estudada a componente naval da Ordem de Santiago.
Em relação à pergunta seguinte, referente ao arco entre duas torres`junto à entrada actual do castelo, a resposta encontra-se neste blog. Deve consultar a Agenda de Setembro/Outubro, referente "O Nosso Património/Localidade/Monumento do M~es. - A Antiga Entrada para a Alcáçova. Em sintese: - Trata-se do que chegou até aos nossos dias da antiga entrada directa para a alcáçova/palácio dos Banu Wazirí. Toda a gramática decorativa almoada desapareceu e para termos uma ideia de como seria, temos que ir a Marrocos e ver as portas monumentais de Rabat ou Marraquexe. Até 2007, pensava-se que as unicas portas comemorativas mandadas construir pelo Califa Almoada Ya´Qub al-Mansur localizavam-se no Norte de Africa. Tudo leva a crer que o arco da porta da alcáçova de Alcácer, se bem adulterado e despojado de toda a decoração inicial, seja um exemplar unico no al-Andalus. Como eu já referi noutro local só existiram três cidades com o nome al-Fath em todo o Império Almoada e todas elas alusivas à jhiad: - Ribat al-Fath (Rabat e capital de Marrocos), Medinat al-Fath (Gibraltar, porta de entrada no al-Andalus) e Qasr al-Fath (Alcácer do Sal, porta fortificada dos Almoadas no litoral norte do Atlântico, frente a Portugal).O simbolismo do arco é de chamar atenção aos cruzados que Alcácer é a porta que defende o acesso ao mundo islâmico para quem chega de Portugal ou do Norte da Europa como cruzado, por via naval.
Em Espanha há muitas "Alcáceres" (Alcazar, em castelhano). Porque é que em Portugal só há uma?
ResponderEliminarSim é verdade, em Portugal só existe um Alcácer. A resposta é muito complexa, porque o caso de Alcácer é diferente dos exemplos encontrados em Espanha, alguns deles de cronologia mais tardia.
ResponderEliminarO nome Qasr aparece pela primeira vez (na documentação islâmica)antes da chegada dos Banu Danis, em finais do século IX. No mundo islâmico, na altura da conquista da Hispania, os "Alcáceres"/Qusur, predominam na Siria/Jordânia (Bilad al-Sham) e são nalguns casos, os "herdeiros" dos fortes romanos da fronteira com o Império Parto e depois Sassanida. A palavra Qasr, segundo alguns autores, deriva da palavra latina "Castrum/Forte". A outra região com bastantes qasr é o Egipto ao longo do Nilo em diracção ao Sudão. Por fim temos a actual Tunisia.
A região de Alcácer vai ser após 740 atribuida ao yund/exército arabe de Mirs/Egipto, cuja sede politica ficava em Beja. Na realidade são árabes iemenitas instalados no delta egipcio algumas gerações, que recebem essa denominação. Se uma das atribuições deste "corpo militar" é pacificar o território e principalmente cobrar impostos, o nome qasr atribuido à antiga Salacia só se entende se posermos a hipotese de que a função dos colonos islâmicos aqui instalados, na dependencia de Beja, tivessem como principal objectivo, cobrar os impostos de toda a região que vai desde a serra da Arrábida e costa Atlântica até à foz do Mira. Só após 844, devido aos ataques Vikings, al-Qasr transforma-se num ribat, mantendo-se como sede militar. Chegamos então à conclusão que o nome Qasr foi dado a esta terra, para que a população tardo romana soubesse que para pagar os seus impostos, teria que se dirigir a esta praça forte, governada por muçulmanos, a unica escolhida para essa função em todo o Alentejo Litoral e como tal, comportava-se como sede militar e cultural de todo o Alentejo Litoral e Arrábida, ou seja, toda a costa Atlântica entre as "áreas de influência" de Lisboa e Silves.
Obrigado pela resposta.
ResponderEliminarNo entanto, já tenho ouvido que, entre outras coisas, a razão de haver mais "Alcáceres" em Espanha se prende ao facto de o coração da civilização hispano-muçulmana corresponder ao actual sul de Espanha, enquanto que a região que é actualmente o nosso país (incluíndo o sul) ser nesse contexto mais marginal. Haverá alguma verdade nesta afirmação?
Existe um dado cronológico que não podemos esquecer: - A presença politica islâmica em Portugal termina com a conquista do Algarve no reinado de D. Afonso III,em 1250, após a ocupação dos enclaves islâmicos autónomos (entre 1240 e 1250) que reconheciam a suserania Magrebina dos Banu Marin. Basicamente, reduziam-se a três nucleos: 1.-Faro e Loulé. 2 -Albufeira e Porches e por fim 3 - A região de Aljezur.
ResponderEliminarNa vizinha Espanha, a presença islâmica vai manter-se até ao final do século XV. Resumia-se ao Reino de Granada e a um território em volta de Aljeziras e Ronda que esteve debaixo do domínio Merinida. A Historiografia Penínsular, Tanto a Portuguesa como a Espanhola tem estudado a íntervenção Merinida centrados nas relações de aliança e guerra, que este poder Magrebino teve com os Nazaris e os Castelhanos, esquecendo-se dos enclaves Algarvios de obediencia Merinida.
A palavra "marginal" é um conceito que serve para explicar muita coisa. Em termos Historiográficos é um conceito muito interessante, porque num discurso Historiográfico, permite esconder "defices de estudos em determinadas áreas". Ou seja, não vale a pena estudar determinado assunto, porque este território era marginal!
A minha concepção de espaço "marginal " encerra outro conceito:
- Trata-se unicamente da falta de interesse politico do estado, numa dada região, por icapacidade de resposta ou por défise de recursos. Como tal, a região fica no silêncio documental (se verificarmos mais atentamente, as cronicas quase sempre "só" falam de guerras e traições entre as elites ligadas ao exercicio do poder).
Resumindo: - As populações vêm-se "marginalizadas" e como resposta aos problemas do quotidiano (defesa, economia, familia) são obrigadas a assumirem sistemas de "governo autónomo",à revelia do poder central. Resultado, as fontes documentais islâmicas silenciam estes factos e nós neste século XXI pensamos que afinal eram espaços marginais, sem "História"!...
Nós só conseguimos investigar com base em documentação e depois de tantas guerras, terramotos, pestes,etc, temos que ter presente que só sabemos uma infima parte do que realmente aconteceu neste território ...
Volto a agradecer a resposta.
ResponderEliminarUma última pergunta:`
É verdade que os cruzados, quando entraram em Alcácer, matavam quem quer que encontrassem, quer fossem muçulmanos, cristão ou judeus? E que os sobreviventes do massacre fundaram a cidade de Setúbal?
P.S.
ResponderEliminarE por último, o castelo de Alcácer do Sal (ou o que resta dele), e mais concretamente as duas torres que ladeiam o portão da entrada junto à Pousada D. Afonso II, de que século são?
A questão referente ao fundamentalismo dos cruzados, têm razão de ser. O objectivo deles é "libertar a Terra Santa" do domínio dos muçulmanos. Curiosamente as primeiras cruzadas nasceram como resposta ao fundamentalismo do Sultanato Turco dos seljucidas, que após terem anexado o que restava do Califado Abássida, vão pela primeira vez proibir o acesso de peregrinos não muçulmanos aos locais Santos da Palestina.
ResponderEliminarEm relação ao território Português, temos o exemplo pradmático de dois compostamentos diferentes: - Os cruzados querem pilhar e matar, para assim as suas "almas" irem para o paraiso. Já D. Afonso Henriques está a construir um país, que necessita de expressão territorial, mas que se mantenha povoada pela população muçulmanos, porque deste modo o Rei podia cobrar impostos directos à minoria moura, que estava sob a sua protecção. Ele e os reis seguintes sabiam que de nada servia conquistar um país, se depois não tivesse recursos humanos para a povoar. A guerra foi feita lentamente, com avanços e recuos e muitas tréguas pelo meio.
Em relação a Setúbal, não temos documentação que nos fale de uma fundação por sobreviventes "directos" dos alcacerenses sobreviventes da conquista de 1217. O processo terá sido lento. Nesta fase, Setúbal era uma aldeia de pescadores dependente de Palmela. É curioso verificar que o 1º Foral atribuido a Setúbal (cujo termo era a propria terra), foi dado pelo Mestre da Ordem de Santiago, em 1249, já no início do Reinado de D. Afonso III, numa altura em que a Ordem de Santiago estava de relações algo azedas com o rei e temia pela posse dos seus vastos domínios no Alentejo e Algarve. Na optica da Ordem parece estar a necessidade de Setúbal ajudar no comercio naval e apoio naval da Ordem de Santiago aos seus domínios no Reino do Algarve que possuiam portos, caso de Aljezur, Tavira e Cacela. O caso de Tavira e de Albufeira foram polémicos e pouco depois, em 1250, D. Afonso III retira aos Espatários estes dois importantes castelos e portos algarvios.
De facto ainda não foi devidamente estudada a componente naval da Ordem de Santiago.
Em relação à pergunta seguinte, referente ao arco entre duas torres`junto à entrada actual do castelo, a resposta encontra-se neste blog. Deve consultar a Agenda de Setembro/Outubro, referente "O Nosso Património/Localidade/Monumento do M~es. - A Antiga Entrada para a Alcáçova.
ResponderEliminarEm sintese: - Trata-se do que chegou até aos nossos dias da antiga entrada directa para a alcáçova/palácio dos Banu Wazirí. Toda a gramática decorativa almoada desapareceu e para termos uma ideia de como seria, temos que ir a Marrocos e ver as portas monumentais de Rabat ou Marraquexe.
Até 2007, pensava-se que as unicas portas comemorativas mandadas construir pelo Califa Almoada Ya´Qub al-Mansur localizavam-se no Norte de Africa. Tudo leva a crer que o arco da porta da alcáçova de Alcácer, se bem adulterado e despojado de toda a decoração inicial, seja um exemplar unico no al-Andalus. Como eu já referi noutro local só existiram três cidades com o nome al-Fath em todo o Império Almoada e todas elas alusivas à jhiad: - Ribat al-Fath (Rabat e capital de Marrocos), Medinat al-Fath (Gibraltar, porta de entrada no al-Andalus) e Qasr al-Fath (Alcácer do Sal, porta fortificada dos Almoadas no litoral norte do Atlântico, frente a Portugal).O simbolismo do arco é de chamar atenção aos cruzados que Alcácer é a porta que defende o acesso ao mundo islâmico para quem chega de Portugal ou do Norte da Europa como cruzado, por via naval.